17 de maio de 2008

maio de 68




Maio de 1968

O ano em que A imaginação tomou o poder

De um lado, jovens armados com paralelepípedos; do outro lado, policiais armados com bombas de gás lacrimogêneo. Foi isso que se viu nas ruas da França, em maio de 1968. Em todo o mundo, aconteciam mudanças bruscas e o mundo assistia enfrentamentos entre a ordem e a desordem. Quem eram esses desordeiros? Fizeram diferença?



Em 1998, eu estudava para uma prova de vestibular quando me deparei com essa pequena página da História: as barricadas de Paris. Já eram passados trinta anos de toda aquela agitação, mas o que há na História que nos move? O que corre sob a epiderme com um fato novo daqueles? Sim, aquele fato era novinho em folha para mim, e completamente atual. Uma massa de burgueses armados de paralelepípedos, de outro, policiais armados de escudos e bombas de gás. Eu havia marchado, mesmo sem que isso me faça sentir como se fosse um tolo, hoje, nas marchas contra o Collor.

Já eram passados seis anos, desde que eu saíra às ruas, marchando contra o primeiro presidente eleito em eleições diretas, Fernando Collor de Mello. Mesmo não tendo pintado a cara e mesmo não sendo de classe média, eu engrossei aquelas fileiras. E mesmo que hoje haja algum sentido de inutilidade naquilo tudo que aconteceu, naquela hora parecia a coisa certa a se fazer. Mas não é para isso, no final das contas, que servem os estudantes?

Por algum motivo, as pessoas comemoram, em espaços de dez anos, alguns fatos emblemáticos. Depois que se passa um século, passamos a comemorar a cada cem anos. Devemos pensar a palavra "comemorar", não no sentido de celebrar, mas no sentido original da palavra, que é memorar em conjunto, relembrar coletivamente. Isso faz parte da História, e não cabe, a mim, brigar com essa mania humana, com essa cabala científica em torno dos números de dois dígitos terminados em zero. O fato é que faziam exatamente três dezenas de anos que aquilo tudo havia acontecido, e havia acontecido com tanta paixão, tanto furor, tanto orgulho, que era completamente impossível para mim não me apaixonar por aquela juventude.

Em maio de 1968, uma força invisível parecia conduzir toda a juventude do mundo numa única direção. Por algum motivo, as agitações de Paris pareciam se repetir em todo o mundo, com personagens diferentes, numa estranha harmonia.



Da lama ao caos

(Chico Science)


Posso sair daqui pra me organizar

Posso sair daqui pra me desorganizar


Da lama ao caos, do caos a lama

Um homem roubado nunca se engana


O sol queimou, queimou a lama do rio

Eu vi um chié andando devagar

E um aratú pra lá e pra cá

E um caranguejo andando pro sul

Saiu do mangue e virou gabiru


Ô Josué eu nunca vi tamanha desgraça

Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça

Peguei um balaio fui na feira roubar tomate e cebola

Ia passando uma véia e pegou a minha cenoura

"Aê minha véia deixa a cenoura aqui

Com a barriga vazia não consigo dormir"

E com o bucho mais cheio comecei a pensar

Que eu me organizando posso desorganizar

Que eu desorganizando posso me organizar

Que eu me organizando posso desorganizar

Porque

Da lama ao caos, do caos a lama

Um homem roubado nunca se engana

Da lama ao caos, do caos a lama

Um homem roubado nunca se engana












A nova arquitetura do protesto

A revolta de maio, em Paris, criou uma nova forma para os protestos juvenis. Jovens conseguiram catalisar os anseios de uma parcela da sociedade, notadamente os da classe média urbana, e traduziram em imagens e ações. A materialização do incômodo, desse mal-estar social dentro da modernidade em manifestações plásticas originais criou um modelo de protesto que está presente até hoje.

É diferente das manifestações de operários sindicalizados por não ter uma reivindicação específica. Jean Paul Sartre, filósofo francês que participou ativamente das movimentações, escreveu, dois anos depois, que ainda não havia entendido o que se passara naquele maio. As fotos que se vê, daquele período, mostram que a turba revoltada contava com a simpatia dos fotógrafos. Ao rodapé das imagens que sobreviveram quase que se pode escrever "Foram heróis".










Foram heróis

"Sejam realistas, exijam o impossível."

Frases de ordem enfeitaram os muros de Paris, em 1968. E nesse quesito, estética, Paris se tornou uma obra de arte moderna, produzida coletivamente. Ou isso, ou os fotógrafos inventaram toda a beleza daquele episódio.

Os jovens assumiram o papel dos bárbaros e saíram de suas casas, foram para as ruas, e enfrentaram escudos, cassetetes e capacetes. Quem não se lembra da seqüência inicial do filme de Ridley Scott, O Gladiador, no qual as fileiras romanas enfrentam os bárbaros. Em seu sentido original, a palavra bárbaro nomeava aqueles povos que estivessem fora das fronteiras da Grécia. O que unia o povo grego era a língua. Por mais que houvesse diferenças regionais, era bem provável que qualquer grego poderia se comunicar com outro, de qualquer parte dentro da Grécia, e ser razoavelmente entendido. Já, dos que não eram gregos eles diziam que produziam um "bar-bar-bar" incompreensível. É provável que não considerassem como bárbaros aqueles povos com os quais mantivessem relações comerciais.




À espera dos bárbaros

(Constantino Cavafis)


Porque esperamos, reunidos na praça?

Hoje devem chegar os bárbaros.


Porque reina a indolência no Senado?

Que fazem os senadores, sentados sem legislar?


É porque hoje vão chegar os bárbaros.

Que hão de fazer os senadores?

Quando chegarem, os bárbaros farão as leis.


Porque se levantou o Imperador tão de madrugada

E que faz sentado à porta da cidade,

No seu trono, solene, levando a coroa?


É porque hoje vão chegar os bárbaros.

E o imperador prepara-se para receber o chefe.

Preparou até um pergaminho para lhe oferecer, onde pôs

muitos títulos e nomes honoríficos.


Porque é que os nossos cônsules, e também os pretores,

hoje saem com togas vermelhas bordadas?

Porquê essas pulseiras com tantos ametistas

e esses anéis com esmeraldas resplandecentes?

Porque empunham hoje bastões tão preciosos

tão trabalhados a prata e ouro?


Hoje vão chegar os bárbaros,

e estas coisas deslumbram os bárbaros.


Porque não vêm, com sempre, os ilustres oradores

A fazer-nos seus discursos, dizendo o que têm para nos dizer?


Hoje vão chegar os bárbaros;

E, a eles, aborrece-os os discursos e a retórica.


E que vem a ser esta repentina inquietação, esta desordem?

(Que caras tão sérias tem hoje o povo.)

Porque é que as ruas e as praças vão ficando vazias

E regressam todos, tão pensativos, a suas casas?


É porque anoiteceu e os bárbaros não vieram.

E da fronteira chegou gente

Dizendo que os bárbaros já não vêm.


E agora que será de nós sem bárbaros?

De certo modo, essa gente era uma solução.



68 frases de 68

  1. "Abaixo a sociedade de consumo."
  2. "Abaixo o realismo socialista. Viva o surrealismo."
  3. "A ação não deve ser uma reação, mas uma criação."
  4. "O agressor não é aquele que se revolta, mas aquele que reprime."
  5. "Amem-se uns aos outros."
  6. "O álcool mata. Tomem LSD."
  7. "A anarquia sou eu."
  8. "As armas da crítica passam pela crítica das armas."
  9. "Parem o mundo, eu quero descer."
  10. "A arte está morta. Nem Godard poderá impedir."
  11. "A arte está morta, liberemos nossa vida cotidiana."
  12. "Antes de escrever, aprenda a pensar."
  13. "A barricada fecha a rua, mas abre a via."
  14. "Ceder um pouco é capitular muito."
  15. "Corram camaradas, o velho mundo está atrás de vocês."
  16. "A cultura é a inversão da vida."
  17. "10 horas de prazer já."
  18. "Proibido não colar cartazes."
  19. "Abaixo do calçamento, está a praia."
  20. "A economia está ferida, pois que morra!"
  21. "A emancipação do homem será total ou não será."
  22. "O estado é cada um de nós."
  23. "A humanidade só será feliz quando o último capitalista for enforcado com as tripas do último esquerdista."
  24. "A imaginação toma o poder."
  25. "A insolência é a nova arma revolucionária."
  26. "É proibido proibir."
  27. "Eu tinha alguma coisa a dizer, mas não sei mais o quê."
  28. "Eu gozo."
  29. "Eu participo. Tu participas. Ele participa. Nós participamos. Vós participais. Eles lucram."
  30. "Os jovens fazem amor, os velhos fazem gestos obscenos."
  31. "A liberdade do outro estende a minha ao infinito."
  32. "A mercadoria é o ópio do povo."
  33. "As paredes têm ouvidos. Seus ouvidos têm paredes."
  34. "Não mudem de empregadores, mudem o emprego da vida."
  35. "Nós somos todos judeus alemães."
  36. "A novidade é revolucionária, a verdade, também."
  37. "Fim da liberdade aos inimigos da liberdade."
  38. "O patrão precisa de ti, tu não precisas do patrão."
  39. "Professores, vocês nos fazem envelhecer."
  40. "Quanto mais eu faço amor, mais tenho vontade de fazer a revolução. Quanto mais faço a revolução, mais tenho vontade de fazer amor."
  41. "A poesia está na rua."
  42. "A política se dá na rua."
  43. "Os sindicatos são uns bordéis."
  44. "O sonho é realidade."
  45. "Só a verdade é revolucionária."
  46. "Sejam realistas, exijam o impossível."
  47. "Tudo é Dadá."
  48. "Trabalhador: você tem 25 anos, mas seu sindicato é de outro século."
  49. "Abolição da sociedade de classes."
  50. "Abram as janelas do seu coração."
  51. "A arte está morta, não consumamos o seu cadáver".
  52. "Não nos prendamos ao espetáculo da contestação, mas passemos à contestação do espetáculo."
  53. "Autogestão da vida cotidiana"
  54. "A felicidade é uma idéia nova."
  55. "Teremos um bom mestre desde que cada um seja o seu."
  56. "Camaradas, o amor também se faz na Faculdade de Ciências."
  57. "Ainda não acabou!"
  58. "Consuma mais, viva menos."
  59. "O discurso é contra-revolucionário."
  60. "Escrevam por toda a parte!"
  61. "Abraça o teu amor sem largar a tua arma."
  62. "Enraiveçam-se!"
  63. "Ser rico é se contentar com a pobreza?"
  64. "Um homem não é estúpido ou inteligente: ele é livre ou não é."
  65. "Adoro escrever nas paredes."
  66. "Decretado o estado de felicidade permanente."
  67. "Milionários de todos os países, unam-se, o vento está mudando."
  68. "Não tomem o elevador, tomem o poder."